Ela estava tendo um péssimo dia e não conseguia fazer nada a respeito. Hoje ela não era aquela pessoa que gostava de ser, que sempre encontrava o lado positivo de qualquer vivência negativa, ela não era aquela pessoa que ela apregoava, que dava conselhos aos outros. Hoje ela precisava de uma pessoa como aquela para dar conselhos a ela. Hoje ela pensava que o mundo era uma porcaria, que no fundo tudo era pura hipocrisia, e só queria que o dia terminasse o mais rápido possível. Mas nem isso ela conseguia fazer: terminar o dia. Então, decidiu sentar para escrever, na esperança de por em palavras o que sentia ajudasse.
Seu dia havia começado com uma decisão: decidiu, afinal, que retomaria a faculdade. Não queria, pensava se dedicar a outras coisas pelos próximos meses, mas afinal pensou que alguma rotina lhe cairia bem. Sabia que não era uma pessoa que se auto-organizava muito bem, e funcionava pra ela ter algo externo que a organizasse. Ao mesmo tempo, isso a sufocava. Apenas mais uma de suas contradições.
No decorrer do dia, descobriu que aquele problema com o qual ele vem lutando a tanto tempo, afinal, não tem outra solução, pelo menos não por enquanto. Aí ela lembrou daquilo que ela sempre fala para suas amigas desesperadas, que não precisam se desesperar, porque logo surgirá uma lição, e viu que ela não aplica os próprios conselhos, que ela falha em segui-los. “Que boa amiga e que porcaria de ser humano sou!”. Suspeitava que isso podia ser um exagero, mas decidiu que hoje não ia avaliar como se sentia, ia apenas sentir.
Terminou o dia começando uma aula de meditação. Quem sabe assim ela não se torna a pessoa calma, equilibrada e controlada que gostaria de ser? Foi a aula para logo se dar conta de que duas horas podem ser longuíssimas quando somos ansiosas. Pensou que precisaria de muita meditação para conseguir se tranqüilizar.
Saiu da aula meia hora mais tarde (2 horas se tornaram 2 horas e meia) só pra descobrir que seu namorado não estava esperando ela do lado de fora, naquela rua escura e deserta, como combinado. Ele havia mandado uma mensagem pra ela perguntando a que horas ela acabava. Ela se perguntou se ele realmente pensou que ela estaria fazendo meditação com o celular a tiracolo. E se perguntou em que momento ele pensou que ela responderia a mensagem dele: antes de visualizar o nirvana ou logo após repetir o mantra. Quando se deu conta, ela estava caminhando sozinha pra casa, revoltada, enquanto ele continuava deitado em seu sofá vendo seu filme favorito. Inevitavelmente encontrou com ele, que queria estabelecer uma discussão sobre algo que, para ela, era indiscutível: ele a deixou plantada em uma rua deserta e escura numa noite de quinta-feira, desnecessariamente. Poderia ter dito a ela simplesmente que não iria busca-la e, com isso, ela não teria se sentido tão descuidada por ele. Se deu conta que essa seria só mais uma das vezes que ela ficaria irritada, que eles brigariam, e que depois nada mudaria: ele continuaria fazendo coisas que a irritariam, ela continuaria brigando com ele, se sentindo descuidada, para logo resolver a questão com ela mesma (já que ela já sabia toda e qualquer desculpa que ele daria), e assim a vida seguiria.
Chegou em casa, foi para a sua cama ver mais um episódio da sua série favorita. Lamentavelmente, aquela semana apenas uma de suas séries tinha apresentado um novo episódio. Que pena! Isso a distrai muito!
Pensou em todas as coisas que tinha que fazer: escrever aquele artigo sobre aquele filme para ver se sua amiga tem interesse em publicar, escrever para o seu blog sobre aquele livro que leu... e lembrou da meditação e de todo aquele discurso de manter a mente presente, a atenção plena. Pensou que mal tinha começado o curso e já estava falhando. Adiou mais uma vez seus escritos, desejou uma Margarita salgada e foi para a varanda fumar um cigarro, o terceiro do dia, seu limite máximo permitido... provavelmente fumaria um quarto. Pensou no dia seguinte: acordar cedo, ir a terapia... se queixaria do dia “fantástico” que teve hoje com a terapeuta? Não sabia. Conseguiria dormir bem hoje a noite? Não sabia. Com muitas perguntas e poucas respostas, resolveu colocar no seu blog tudo que sentia, deixando seus leitores entreverem que antes de ser uma pessoa que trata de analisar tudo positivamente, é uma pessoa humana, que hoje adoraria ter uma versão dela mesma ao lado para levantar seu astral.
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